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Madonna Sixtina faz 500 anos. Lendas e propaganda à volta da obra-prima de Rafael

Os objetos em exposição incluem documentos, reproduções, obras de arte representando momentos da história desse quadro que foi recheada de acontecimentos, por vezes dramáticos. A Madonna Sixtina foi encomendada ao pintor em 1512 como imagem de altar para a capela do mosteiro de São Sixto na cidade italiana de Placência, onde permaneceu mais de duzentos anos até que, em 1754, o príncipe-eleitor da Saxônia Augusto III por uma quantia exorbitante para a época – 25 mil escudos.
Contam que, apesar da importância paga, as autoridades locais impediram a saída do quadro da Itália e só a intervenção do Papa, que tinha aprovado o negócio, permitiu a saída da Madonna para Dresden. A exposição apresenta um pastel de Adolph von Menzel que representa a entrega da obra de Rafael na residência do príncipe. Conta a lenda que Augusto III não só saiu para receber esse quadro famoso, como afastou pessoalmente o trono com as palavras “Dêem espaço ao grande Rafael!”.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazis levaram da galeria a Madonna Sixtina, juntamente com muitas outras obras de arte de importância mundial, que colocaram num esconderijo nos arredores de Dresden. A história das buscas e recuperação da Madonna Sixtina é retratada no livro “Os Sete Dias” de Leonid Volynskiy que foi bastante popular nos tempos soviéticos e foi várias vezes reeditado. Mas poucos sabiam que Volynskiy era o pseudónimo do artista Leonid Rabinovitch. Em Maio de 1945, sendo na altura oficial do Exército Soviético, ele chefiou um dos grupos que procuravam a coleção da galeria de arte de Dresden. Foi ele que, após investigação muito complexas, tendo recolhido declarações de dezenas de testemunhas, encontrou primeiro as esculturas provenientes da galeria, depois um mapa cifrado que levou o grupo de busca a uma pedreira abandonada, onde estavam escondido o tesouro constituido por pinturas. A Madonna Sixtina estava aconcionada num caixote, já os restantes quadros (de Rubens, Giorgione, Veronese e muitos outros) estavam abandonados no chão, encostados uns aos outros ou às paredes da mina. Tudo isso foi descrito por Volynskiy no seu livro.
Os tesouros descobertos, mais de 1240 quadros, foram enviados para Moscou para restauro, o qual foi dirigido pelo mestre de renome Pavel Korin. Em Dresden está igualmente exposto um quadro de Mikhail Kornetsky “A Salvação de Madonna Sixtina ” (1984), que representa o trabalho dos mestres de restauro. Na nota adjacente, os organizadores da exposição referem que não se trata senão de uma das lendas criadas pela “propaganda soviética”.
O “Salvamento dos Quadros da Galeria de Dresden” é o tema da pintura do artista russo Mikhail Volodin, participante nessa operação. Ele é igualmente o autor de uma série de desenhos que representam cenas das buscas e do salvamento da galeria. O mesmo artista participou, em 1945, na busca dos tesouros do palácio Zwinger. Depois da guerra, Volodin recordava que o marechal Ivan Konev e o general de exército Ivan Petrov, respetivamente comandante e chefe do estado-maior da 1ª Frente da Ucrânia, que libertou Dresden, controlavam pessoalmente a operação de localização e garantia da integridade das pinturas. Eles deram as instruções necessárias para que os quadros não fossem manipulados até à chegada dos técnicos de restauro, estando muitos deles, segundo os soviéticos que participaram nesses acontecimentos, seriamente danificados.
A exposição apresenta documentos que, de acordo com os organizadores, desmontam uma falsificação histórica: o plano de engenharia alemão de aquecimento e ventilação do espaço, onde se encontrava o quadro, e o passaporte que acompanhou o quadro na sua devolução a Dresden em 1955, emitido pelos funcionários do museu soviético. O passaporte refere que a Madonna se encontra “em bom estado”, o que, do ponto de vista dos historiadores alemães, comprova que toda a história da salvação da pintura é uma invenção. Trata-se de uma estranha lógica, pois foi o trabalho dos restauradores que permitiu a conservação dessa obra-prima.
Já há vários séculos que a Madonna Sixtina é considerado o quadro mais famoso da coleção de Dresden, sendo há muitos anos admirada por poetas e pintores. Goethe escreveu, sob impressão do quadro, sobre Rafael: “Ele criava sempre aquilo que os outros apenhas sonhavam criar.”
“Um exemplar puríssimo de uma puríssima maravilha ...”, escrevia Alexander Pushkin sobre a Madonna. Sabe-se que Leão Tolstoi e Fyodor Dostoievski tinham reproduções do quadro nos seus gabinetes de trabalho. Em 1869, a esposa de Dostoievski, Anna, escreveu: “Fedor Mikhailovich considerava as obras de Rafael superiores a tudo na pintura e reconhecia a Madonna Sixtina como a sua obra suprema”.
Ao mesmo tempo, um dos pintures russos mais famosos, Ivan Shishkin, escreveu no seu diário a 22 de Maio de 1862: “A famosa Madonna não me causou qualquer impressão, gostei muito do Salvador e da Nossa Senhora, mas esse padre e a Bárbara extasiada em baixo estão aqui completamente a mais. Estivemos sentados à sua frente quase meia hora, esforçámo-nos por enxergar, mas helas! A nossa alma não vibrou! ...É verdade que a Madonna é uma coisa realmente séria e sentem-se nela qualidades que, talvez, nós não compreendamos.”
Há muitas lendas à volta desse quadro de Rafael, hoje é difícil separar a verdade da ficção, mas há uma coisa que se pode dizer como verdade absoluta: ainda muitas gerações de admiradores agradecidos irão apreciar a Madonna Sixtina, sobre a qual o pintor e arquiteto italiano Carlo Maratti (ou Maratta, 1625-1713), afirmou: “Se me mostrassem um quadro de Rafael, e eu não soubesse nada sobre quem ele era, e se nessa ocasião me dissessem que é a criação de um anjo, eu iria acreditar.”

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