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Obras de arte correm risco no Brasil, alerta crítico após incêndio no Rio



O incêndio que atingiu, na noite de segunda-feira (13), o apartamento do colecionador Jean Boghici, no 12º andar do prédio 193 da rua Barata Ribeiro, em Copacabana, na zona sul, destruiu importantes obras de arte. Entre elas, a tela Samba, de Di Cavalcanti (1925)


O incêndio que devastou o apartamento do colecionador de artes romeno Jean Boghici em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, na noite desta segunda-feira (13) ganhou proporções incalculáveis. Não somente pela perda quase completa do imóvel, como também pelo prejuízo inestimável de suas obras de arte, que sumiram no fogo e não puderam ser recuperadas.

O morador, que também era artista plástico e um apaixonado pela pintura e escultura sul-americana, ainda tentou subir para salvar algumas de suas peças, mas foi impedido pelos bombeiros.

Uma testemunha disse ter notado que o fogo começou discreto, do lado de fora do apartamento – mais especificamente no ar-condicionado do imóvel. Mas se alastrou rapidamente, sem que houvesse tempo hábil para que os bombeiros pudessem salvar quadros ou peças que estavam na casa. Entre elas, grandes preciosidades da arte brasileira, como quadros de Di Cavalcanti e Guignard.A reportagem do R7 conversou com Oscar D’Ambrosio, crítico e mestre em artes pela Unesp (Universidade do Estado de São Paulo) sobre a repercussão do fato. Ele alertou que, se nada mudar, o Brasil corre risco de perder importantes obras nos próximos anos. Leia a entrevista:

R7 – Há muitas obras de arte de importância nacional e mundial em situação semelhante, ou seja, sob risco?
Oscar D’Ambrosio – Quando a gente pensa em colecionador particular estamos falando de obras em ambiente que não temos ciência de como são. Herdeiros das famílias tradicionais de São Paulo têm importantes obras do modernismo sujeitas ao roubo, ao incêndio ou a qualquer tipo de intempérie. Eles não divulgam que têm a obra, com medo de assalto, mas acabam sujeitos a coisas desse tipo. Os casarões antigos têm parte elétrica muito deteriorada, assim como os velhos apartamentos, como são os de Copacabana. O Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco são os principais Estados onde há patrimônios importantes em risco. 

R7 – O que deveria acontecer, em sua opinião, com as obras de artes importantes que pertencem a proprietários particulares? Deveria haver algum tipo de cuidado ou prestação de contas a órgãos públicos?
Oscar D’Ambrosio – Em um primeiro momento deveria existir uma conscientização de quem tem acervo importante na tentativa de preservarem o que possuem. Isso significa guardar adequadamente. Poderia haver um empréstimo dessas obras a museus, onde elas estariam em melhores condições. Instituições de estímulo à cultura deveriam incentivar as pessoas a fazerem isso. Mas é claro que eu sei que isso é muito difícil de acontecer, porque as obras têm muito valor, trata-se de um bem herdado. Mas também é preciso pensar na preservação da cultura nacional. Há que se levantar a discussão de preservar essas obras que são importantes para o Brasil, são obras de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Cândido Portinari, nomes importantes de nossa arte. 

R7 – O senhor faz ideia de quanto valia os dois quadros destruídos?
Oscar D’Ambrosio – Isso varia muito. Não há como eu estimar um valor, porque dependeria do mercado. Obras desses dois artistas têm valor inestimável, sobretudo porque servem para entender o conjunto do artista como um todo. Não ter essas obras é uma perda. Qualquer obra de Di Cavalcanti ou de Guignard é uma obra do povo brasileiro de valor inestimável. 

R7 – Qual a importância de Samba, de Di Cavalcanti, e A Floresta, de Guignard, os dois quadros queimados, para nossa arte?
Oscar D’Ambrosio – São obras importantíssimas do modernismo brasileiro. No caso do Di Cavalcanti, ela reflete essa característica dele pela busca da brasilidade, da mulher, da paisagem e da musicalidade brasileira. Di Cavalcanti e Heitor dos Prazeres, considerado um artista primitivista, foram os dois que mais exaltaram o samba. Já o Guignard foi um grande representante da paisagem mineira e foi fundador de uma escola de pintura em Minas Gerais. A obra dele é uma referência no Brasil. 


R7 – Como o mercado de arte reagiu à notícia do incêndio no apartamento do colecionador romeno Jean Boghici, em Copacabana, no Rio?
Oscar D’Ambrosio – Em primeiro lugar, a gente precisa lembrar que esse tipo de acervo pessoal no Brasil é muito mal guardado e com condições de segurança muito baixas. Infelizmente, não há muita surpresa em notícias como essa. Há pouco tempo, tivemos o incêndio do acervo do Helio Oiticica, em 2009. Infelizmente, o Brasil não tem tradição de conservação de acervo com segurança e uso de novas técnicas adequadas. Não existe uma cultura em relação a isso. Em São Paulo, há artistas que guardam acervos em galpões. Isso é um perigo para a cultura nacional. Por exemplo, no caso do Jean, ele tinha acervo de Di Cavalcanti e Tarsila. Se nada mudar, a tendência é que isso aconteça cada vez mais. É uma situação seríssima que só tende em se agravar. Muitas vezes os herdeiros dos colecionadores não têm interesse, e muitas vezes cultura, para perceber, para preservar esse materiais, que deterioram ou ficam sujeito a este tipo de calamidade. Acho que nos próximos 30 anos muita coisa pode se perder. Isso sem falar nas obras que estão no interior... 

Conheça obras que se perderam no incêndio do Rio



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